A psique é imagem – e vampiros são seres sem imaginação

Vivemos imersos num universo vivo de imagens: culturais, arquetípicas, familiares, pessoais. Muitas vezes somos escolhidos pelas imagens que vivemos, outras vezes, somos nós que as escolhemos – e talvez nunca saibamos ao certo quando se trata de um caso ou de outro. Mas em todos os casos, a resposta consciente que damos a cada imagem nos define, de certa forma. A atitude que acolhe a imagem, que dá atenção a ela é favorável aos processos de reorganização da energia psíquica, já que, como afirmou C. G. Jung: 

“… a psique é constituída essencialmente de imagens. A psique é feita de uma série de imagens, no sentido mais amplo do termo, não é porém uma justaposição ou uma sucessão, mas uma estrutura riquíssima de sentido e uma objetivação das atividades vitais, expressa através de imagens” (C. G. Jung: O.C. vol. VIII/2, parágrafo 618).  

As imagens são a matéria-prima de nossos padrões afetivos, padrões construídos no entrelaçamento das imagens que acatamos, que alimentamos e organizamos num tecido pessoal que se converte, quando olhamos para trás, no destino (moral, afetivo e concreto) que criamos.

Há vezes em que uma pessoa sente-se tão compelida a continuar a alimentar algumas imagens que herdou, que sequer é capaz de percebê-las como anteriores à sua própria vida, mas na maioria das vezes o mundo nos põe em contato com uma infinita riqueza de imagens para que nós possamos exercitar nossa liberdade de escolha. A vida costuma ser generosa ao nos dar muitas chances de escolha, é preciso não ignorá-las. A questão é saber se conseguimos ver essas novas possibilidades que o mundo nos oferece ou se estamos presos demais (enfeitiçados pelas imagens) aos padrões imagéticos que um dia vivemos, enredados demais para sermos livres, para realizarmos escolhas conscientemente.

No entanto, se acreditamos que nosso padrão de origem não pode ser renovado, incluindo imagens novas e abrindo mão daquelas imagens que não nos trouxeram sentido, ou que já não servem mais, a vida toda perde o seu sentido criativo. Abrimos mão de uma concepção de vida que pulsa, que se transforma e se renova, para entrarmos para o grupo dos mortos-vivos que apenas se esforçam em manter as coisas como são até que nada pulse mais. 

Há imagens de amor e imagens de poder. E quem se preocupa muito com umas, não tem vocação para as outras. Para o poder, é preferível que nada pulse, porque é mais fácil reinar sobre cadáveres.

Optar por uma vida criativa e criadora, por outro lado, exige coragem, autoconfiança e caráter. Coragem para abandonarmos as coisas e as pessoas que, deliberadamente ou não, boicotam nosso desenvolvimento e que não puderam elas mesmas optar por uma vida criativa; autoconfiança para ouvirmos a verdade em nosso próprio coração e sabermos que a única garantia que temos da vida (e das pessoas) é acreditarmos que a vida nos retribui naquilo que somos, e que atraímos vivências que nos dizem respeito (e que o mal que nos fazem é consequência do mal que fazemos a nós mesmos); e caráter para sermos fiéis à nossa própria alma, indo às vezes contra o conforto, o comodismo, e para não perdermos de vista os valores da confiança e do maravilhamento. 

Quando não temos nem essa coragem, nem essa autoconfiança, nem esse caráter, não somos capazes de reconhecer nosso verdadeiro destino quando ele se apresenta a nós, não reconhecemos nossas próprias imagens. E, sem reconhecê-las, não somos capazes de nos entregarmos a elas e a seu maravilhoso trabalho de resiliência, de transformação. 

Vazios de imagens internas e sem imaginação, corremos o risco de compor a legião de almas que vagam pelo mundo e que, por terem elas mesmas perdido seus destinos, vivem de querer comandar os destinos alheios – vampiros de almas e de destinos.

E vampiros seguem sua natureza, que é a de roubar a energia vital das outras pessoas – eles são fiéis ao destino que escolheram, e talvez mudem um dia, ou não, e sobre isso ninguém pode fazer nada, além da compaixão e da distância segura a todos os mortais (todos os egos inflados que tentaram converter para a luz um vampiro sucumbiram, enfraquecidos sob seu poder).

É sempre difícil aceitarmos o fato de que muitas pessoas optam por serem vampiros. A cada um de nós cabe optar pelo padrão de vida que queremos ter, ou que podemos ter. E a partir desse momento, começar a alimentar as imagens que tornam possíveis a existência dessa vida. 

E imagens criadoras não nascem dos discursos (neles, nascem as imagens da visibilidade), mas de uma atitude imaginativa que dê vida a nossos sentimentos, pensamentos e gestos. Sobretudo, aos gestos. Gestos são intenções a que damos corpo e realização no mundo. 

Quais árvores brotarão das sementes dos seus gestos?

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Conheça:
Diretora de cursos e atividades científicas do Instituto do ImaginárioDoutora em Comunicação e Semiótica, pós-doutora em Comunicação e Cultura e Analista Junguiana, pesquisadora e professora de Psicologia Analítica, Comunicação e Teoria Crítica da Mídia. Astróloga na linha transpessoal. Dedicou-se nas últimas décadas aos estudos sobre teoria do imaginário e da imagem, empatia, mimese, teoria do mito, estudos do feminino, teoria dos vínculos e resiliência. Possui uma série de publicações que podem ser acessadas nos links indicados na página inicial.

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